Se Marlon Brando usasse Redes Sociais, ele seria um influencer ou um fantasma?

Reflexão sobre celebridades, redes sociais e o legado digital de Marlon Brando
Imagem: Arte Digital (labs.google/fx)

Assisti recentemente ao documentário A Verdade sobre Marlon Brando (2015), dirigido por Stevan Riley e distribuído pela Universal Pictures, disponível para aluguel no Prime Video. Brando grava a própria história em fitas cassete, como se estivesse conversando com o tempo. Nenhuma entrevista polida, nenhum enquadramento de herói. Só um homem falando consigo, tentando entender quem foi (ou quem fingiu ser).

E foi aí que pensei: se Marlon Brando vivesse hoje, ele teria uma conta no Instagram? Postaria bastidores de sets, frases de efeito, ou vídeos ensaiados sobre “autenticidade”? Ou desligaria o wi-fi e deixaria o mundo gritar sozinho? Brando nunca pediu para ser compreendido, talvez por isso continue sendo lembrado. Enquanto Hollywood fabricava deuses de celuloide, ele aparecia como alguém real: falho, contraditório e, justamente por isso, impossível de ser controlado. Brando não atuava: existia. E existir, hoje, é quase um ato político.

Vivemos tempos em que a exposição virou dogma. Ser visto é mais importante do que ter algo a dizer. Mas o que acontece quando o “eu” se transforma em performance? Quando a autenticidade precisa caber em quinze segundos?

O Algoritmo e o Medo de Ser Invisível

A tragédia da era digital não é o excesso de conteúdo, mas a falta de sentido. A visibilidade virou uma forma de respiração. Quem não aparece, sufoca. E, nessa busca por atenção, acabamos transformando a própria existência em estratégia de engajamento.

Brando provavelmente acharia tudo isso uma comédia involuntária. Ele, que recusou o Oscar por “O Poderoso Chefão”, em protesto contra o racismo e a representação indígena em Hollywood, veria nas redes o espetáculo que sempre desprezou: a performance vazia disfarçada de verdade.

Hoje, não é mais Hollywood quem dirige o show. É o algoritmo. E nós, os figurantes, repetimos falas que não escrevemos, formatamos opiniões para caber em legendas curtas, editamos emoções para caber na estética do feed. Enquanto isso, a autenticidade, aquela matéria-prima do humano, tornou-se artigo de luxo.

Ser espontâneo ainda é permitido, desde que renda curtidas.

O Mundo Reduzido a um Carrossel

Brando odiava simplificações, e o nosso tempo é o reino delas. Tudo precisa caber em dez segundos, em uma frase de efeito, em um carrossel com música de fundo. A política virou meme; a tragédia, entretenimento; o pensamento, ruído.

O mundo se acostumou a deslizar o dedo em vez de olhar de verdade. E, quanto mais conteúdo produzimos, menos conseguimos processar. A pressa virou método. E o silêncio, um luxo quase indecente.

Brando, com o seu olhar torto e seu desconforto permanente, seria um corpo estranho nessa paisagem digital. Porque a pressa não combina com consciência. E a perfeição, esse verniz tão bem polido, raramente combina com verdade.

A Imperfeição Como Ato de Rebeldia

Brando era incômodo. E talvez por isso continue tão vivo. Recusava a ideia de ser produto. Hoje, tudo é vendável: ideias, rostos, causas, sentimentos. Vivemos tempos de emoção programada, de empatia ensaiada, de autenticidade performática. A inteligência artificial aperfeiçoa até o erro, enquanto nós esquecemos que o erro é o que nos humaniza.

Brando, com sua fala arrastada e olhar meio ausente, representava algo que se perdeu: a coragem de não se ajustar. Em tempos de simulação, ser imperfeito é o último grito de rebeldia. 

E, se Marlon Brando estivesse por aqui, talvez o algoritmo o ignorasse. Seria cancelado? Brando hoje seria um problema. Sensibilidade demais, pouco discurso. O tipo que some do feed.


📚 Referência informativa:
A Verdade sobre Marlon Brando (título original: Listen to Me Marlon), documentário dirigido por Stevan Riley, produção da Universal Pictures, 2015. Disponível para aluguel no Prime Video.

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